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sábado, 17 de novembro de 2012

Rui Martins: STF deu golpe e assumiu o poder

STF deu golpe e assumiu o poder


A condenação do principal articulador do governo petista, José Dirceu, visa diretamente o governo e o PT, e é um recado claro do STF de que assume o poder, mesmo se seus ministros-juizes não foram eleitos pelo povo. A partir de agora, todas as questões importantes do governo poderão ser decididas pelo STF e não pela presidenta Dilma.
Correio do Brasil,  Por Rui Martins, corespondente em Genebra



Não há dúvida, houve um golpe contra o governo petista e o STF assumiu o poder. O momento é de ditadura do Judiciário sobre o Executivo e Legislativo.

A mais recente tentativa de golpe pelo STF foi no julgamento do italiano Cesare Battisti, ameaçado de extradição a pedido do governo Berlusconi. Num artigo publicado na época, alertei quanto à tentativa de golpe pelo STF (http://www.diretodaredacao.com/noticia/ja-e-um-comeco-de-golpe). O objetivo do Supremo, presidido então por Gilmar Mendes, era o retirar do presidente Lula o direito, que lhe era garantido pela Constituição, de decidir se Battisti seria ou não enviado ao governo italiano.

Antes disso houve, e o ex-ministro da Justiça Tarso Genro, denunciou diversas vezes, a inconstitucionalidade da decisão tomada pelo STF, ultrapassando seus poderes, de ignorar a decisão do ministro da Justiça negando expatriar Cesare Battisti. Gilmar Mendes e Peluso tudo fizeram para expatriar Battisti, julgando-se mais competentes na matéria que o Ministério da Justiça e, atingido esse objetivo, queriam se sobrepor ao direito do presidente Lula dar a última palavra. Essa tentativa de somar mais poder e desmoralizar o presidente se frustrou e Lula deu acolha ao italiano, que tinha passado mais de dois anos ilegalmente preso.

Porém ficou evidente – o STF era incompetente na questão Battisti, seu longo julgamento deve ser considerado nulo e desnecessário, pois a questão já havia sido resolvida pelo ministro da Justiça. Em todo caso, desrespeitando o princípio constitucional da equiparação dos Poderes, o STF decidiu por maioria de um voto pela extradição de Battisti sem dispor de provas, optando pela versão unilateral do governo italiano.

Não me lembro qual foi a posição do ministro Joaquim Barbosa quanto a Battisti, mas me parece não ter votado por estar em licença por doença.

O jurista Carlos Lungarzo, que publica nos próximos dias um livro sobre o caso Battisti, demonstrou com base em documentos europeus a inconsistência dos argumentos italianos contra Battisti e a leviandade de ministros do STF em condenar sem provas o italiano à extradição. Mas nessa primeira tentativa do STF se sobrepor ao Executivo, um precedente foi criado – a última instância judiciária do país, em desrespeito ao princípio básico de Direito, de que não pode haver pena sem prova de crime ou delito, criou a perigosa jurisprudência de que se pode condenar sem provas concludentes.

Tal procedimento lembra os do Tribunal Especial na França ocupada e que consistia em dar a aparência de julgamentos legais a condenações pré-decididas pelo governo de Vichy contra personalidades francesas contrárias à Ocupação nazista. Uma constante é a de que toda vez que o Judiciário se prestou a maquiar perseguições políticas como julgamentos legais foi em obediência a ditaduras de direita ou de esquerda.

Ora, no Brasil, ocorre uma diferença fundamental – a última instância do Judiciário assumiu autonomia própria e age inclusive contra o governo, com o intuito de desmoralizá-lo e de assumir suas prerrogativas e seu poder, para confiná-lo apenas na governança.

O exemplo mais recente de golpe legal, é o do ocorrido no Paraguai, onde o Parlamento, interpretando à sua maneira um texto da Constituição, decretou o impeachment do presidente eleito pelo povo, derrubou-o e passou o poder ao vice-presidente. Ou seja, o Legislativo, contanto com a complacência do Judiciário, deu o golpe no Executivo.

Agora no Brasil, a condenação do principal articulador do governo petista, José Dirceu, visa diretamente o governo e o PT, e é um recado claro do STF de que assume o poder, mesmo se seus ministros-juizes não foram eleitos pelo povo. A partir de agora, todas as questões importantes do governo poderão ser decididas pelo STF e não pela presidenta Dilma e isso pode implicar até na privatização de estatais, como a cobiçada Petrobras, como no impeachment de governadores, prefeitos e até numa inelegibilidade do ex-presidente Lula.

Outro aspecto importante na condenação de José Dirceu está na exigência de ser colocado em cela comum, desobedecendo-se outro preceito legal, que beneficia com tratamento diferentes todos os universitários e ao qual Dirceu teria direito como bacharel em Direito.

Essa exceção reforça a suspeita de não se tratar de um julgamento equitável, mas de um ajuste de contas, alguma coisa parecida com vingança ou revanchismo de perdedores.

Por que tanto ódio contra José Dirceu ? Não pertenço ao PT e me sinto à vontade para comentar.

Mesmo se muitos petistas fundadores deixaram o partido por divergir das concessões feitas pelo governo Lula, não se pode negar ter sido Dirceu o principal articulador da eleição de Lula para a presidência. Além disso, foi um resistente contra a ditadura militar. E, embora acusado sem provas mas por ilação como envolvido no episódio do Mensalão, não se tratava de enriquecimento pessoal.
Se nos reportarmos ao ano 2005, quando estourou o caso Mensalão, fica evidente que o alvo daquela campanha era o presidente Lula – o objetivo principal era o de se provocar um impeachment e derrubar Lula. Eu fazia a correção das provas do meu livro sobre Maluf (Dinheiro Sujo da Corrupção – Geração Editorial), e tive tempo de incluir um capítulo sobre o que considerei como um escândalo de excessivas proporções. Não se tratava de se justificar o ato de compra dos votos do parlamentares, mas de uma observação realista.

E eu citava, como costumo citar, o exemplo suíço, país considerado dos mais honestos, onde existe uma versão legal de um tipo de mensalão. Todo deputado ou senador eleito recebe imediatamente o convite das grandes empresas suíças, desde bancos a laboratórios farmaceuticos, para ser vice-presidente do conselho de administração. O objetivo é o de evitar leis que prejudiquem tais bancos ou empresas e o de criar leis que os beneficiem. Trata-se de um compra indireta dos votos dos parlamentares, que poderia também ser considerada como lobby, mas que implica no pagamento de um salário mensal ao parlamentar.

O então presidente do equivalente à nossa Câmara Federal, Peter Hess, era em 2005, vice-presidente de 42 conselhos de administração de empresas suíças, o que lhe garantia mais de 400 mil dólares mensais. E isso sem qualquer escândalo.

A diferença é que, na Suíça, não é um partido que compra o voto de parlamentares mais ou menos honestos, porém as empresas privadas. O fato de na Suíça haver uma versão local de mensalão não justifica essa prática, mas pode lhe dar a verdadeira dimensão.

É evidente que, no Brasil, não se condena o Mensalão como prática desonesta, trata-se de um jogada política para se desmoralizar os petistas, que acabou não surtindo efeito nas eleições (por que diabo o STF escolheu a época das eleições para julgar o Mensalão?), mesmo porque dizem ter havido compra de votos na emenda constitucional que permitiu a reeleição de FHC. Iria o STF julgar agora, sem provas, também o FHC? Outro aspecto importante – estão condenando os chamados corruptores de parlamentares, mas não punem os parlamentares corruptos ?

E agora ? O STF deixou de interpretar as leis, de mnater ou anular julgamento, para aplicar sentenças e mesmo acusados não parlamentares não tiveram direito a julgamentos normais em primeira e segunda instância. Deve-se aceitar a humilhação de José Dirceu e os riscos que correrá em prisão comum, quando dentro de dois anos a Suíça devolverá os milhões bloqueados de Maluf, por não ter havido condenação pelo STF ? quando Pimenta Neves vive tranquilo em prisão domiciliar depois de ter matado a sangue frio a jornalista Sandra Gomide ?

Em termos de recursos, as possibilidades de se adiar a execução da pena de José Dirceu são mínimas. Que tribunal acima do STF poderá arguir da condenação sem prova formal ? E da inconstitucionalidade do Judiciário ultrapassando sua competência ? Só um Conselho Constitucional, caso exista como na França, onde leis e sentenças ou decisões judiciárias podem ser anuladas em caso de inconstitucionalidade.

Ou será que José Dirceu é culpado por ter contribuído à diminuição da desigualdade social no Brasil, à ascensão dos negros às escolas e universidades, à projeção do Brasil como sexta potência mundial ? ou de ter articulado a eleição à presidência de um operário quebrando a hegemonia das elites brasileiras ?

Talvez o Brasil ainda não tenha se curado dos repetitivos golpes e tentativas de golpe, constantes na história da República. Getúlio se matou porque havia movimento de tropas para derrubá-lo; Café Filho e Carlos Luz queriam invalidar a eleição de Juscelino e Jango; depois da renúncia de Jânio, Jango só assumiu com a criação do parlamentarismo, um golpe indireto para anular seu poder presidencial; mesmo assim, foi derrubado pelos militares para não concretizar as reformas de base; depois da ditadura militar corremos agora o risco de uma ditadura light ou soft ditada pelo STF ?

Em todos esses episódios, os golpes e tentativas visavam governos populistas ou reformistas interessados em dar mais direitos aos trabalhadores ou excluídos e restringir os privilégios da elite dominante.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Manoela de Borba: Imprensa Livre, a Gente Não Vê Por Aqui


Imprensa livre do monopólio

De Manoela de Borba, Observatório da Imprensa
Eis que depois de publicada a entrevista do diretor do La Nación, Bartolomé Mitre, nas páginas amarelas da Veja (ver “Argentina, uma ditadura com eleições“), os leitores da grande mídia são presenteados com copiosas reproduções do discurso dominante. Em uma delas, “Sem jornal grande, estamos fritos“, artigo de Sérgio Vaz publicado no site “50 anos de texto” e reproduzido em outros blogs e afins, é mais uma tentativa de vociferar a independência dos monopólios midiáticos. Em meio à confissão do medo que ocorra no Brasil e em outros países da América Latina, Sérgio Vaz defende os grandes monopólios de mídia do continente e a “independência” da mídia como garantia da democracia.
O curioso é que Vaz não somente circula com intimidade pelos grandes grupos midiáticos, quando chama o empresário Otavio Frias Filho de “Otavinho”, como reproduz a ideologia e defende os interesses que os proprietários dos meios pretendem salvaguardar. Mais adiante, ainda em referência ao diretor editorial daFolha de S.Paulo, Vaz revela que acha estranho um dono de jornal torcer pelo fechamento de outro, em referência à afirmação do diretor da Folha ao dizer que na cidade de São Paulo não cabem dois grandes jornais.
Apesar da sua experiência de redação, Vaz deve recordar que, antes de um espaço de construção da realidade, as grandes corporações de comunicação são grupos econômicos que defendem seus interesses políticos e de mercado. São grupos que querem manter seus monopólios de edição e distribuição, sem restrições. E matam uns aos outros por este fim.
Compromisso com a liberdade de expressão
Na Argentina, há um primoroso exemplo de como os interesses econômicos estão acima da construção editorial e do direito à informação. Exemplo, aliás, oposto à declaração de Mitre à revista Veja, quando defende a existência do concorrente Clarín. Desde 1976, os diários Clarín e La Nación controlam a Papel Prensa, empresa argentina que fabrica e fornece papel para 170 jornais argentinos, abastecendo 75% do mercado. Os dois grupos detêm 71,5% das ações, sendo 49% do Clarín e 22,5% do La Nación.
Durante oito anos, de 2001 a 2009, Alberto Jorge Mitre (La Nación) y Jorge Carlos Rendo (Clarín) ocuparam os cargos de diretores da Papel Prensa, com o claro propósito de controlar a atividade societária. Também neste período, junto a outros 16 pequenos diários, detinham 80% da composição acionária da agência DyN, criada em 1982. Em troca do alinhamento editorial da agência, sobretudo nas notícias de política e economia, Clarín e La Nación subsidiavam parte do valor do papel para os 16 diários acionistas. O diárioCrônica, na época com tiragem diária de 700 mil exemplares, precisava do fornecimento de 1,5 mil toneladas de papel e passou a receber apenas 300 toneladas. Por não ser acionista do grupo Papel Prensa, o diário pagava 58% a mais pelo insumo e logo a tiragem de 700 mil passou para 70 mil.
É uma pequena demonstração do compromisso dos grupos monopólicos com a liberdade de expressão e com o direito à informação. O que a gente vê por aqui não é uma imprensa livre, mas uma imprensa cujos proprietários têm liberdade para agir como querem. Uma imprensa sem qualquer tipo de controle e sem qualquer limite à concentração de meios, onde as políticas de democratização e de regulamentação são debatidas como cerceamento à liberdade de imprensa. Com esse discurso manipulam a opinião pública, defendem seu poder econômico e limitam o acesso à informação.
O que de fato assusta é pensar que pode não acontecer no Brasil.
***
[Manoela de Borba é jornalista, mestranda em Periodismo y Medios de Comunicación na Universidad de La Plata, Argentina]

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Janio de Freitas: Ministros Mancham a Imagem do STF ao Condenar Sem Provas


A voz das provas

Relator Joaquim Barbosa se expandiu em imputações compostas só de palavras; tem sido um comportamento reiterado

Janio de Freitas, Folha Poder

Foi uma das coincidências de tipo raro, por sua oportunidade milimétrica e preciosa. Várias peculiaridades do julgamento no STF, ontem, foram antecedidos pela manchete ao pé da página A6 da Folha de domingo, título de uma entrevista com o eminente jurista alemão Claus Roxin: "Participação no comando de esquema tem de ser provada".
O subtítulo realçava tratar-se de "um dos responsáveis por teoria citada no julgamento do STF", o "domínio do fato". A expressão refere-se ao conhecimento de uma ocorrência, em princípio criminosa, por alguém com posição de realce nas circunstâncias do ocorrido. É um fator fundamental na condenação de José Dirceu, por ocupar o Gabinete Civil na época do esquema Valério/PT.

As jornalistas Cristina Grillo e Denise Menchen perguntaram ao jurista alemão se "o dever de conhecer os atos de um subordinado não implica corresponsabilidade". Claus Roxin: "A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta". E citou, como exemplo, a condenação do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, na qual a teoria do "domínio do fato" foi aplicada com a exigência de provas (existentes) do seu comprometimento nos crimes. A teoria de Roxin foi adotada, entre outros, pelo Tribunal Penal Internacional.

Tanto na exposição em que pediu a condenação de José Dirceu como agora no caótico arranjo de fixação das penas, o relator Joaquim Barbosa se expandiu em imputações compostas só de palavras, sem provas. E, em muitos casos, sem sequer a possibilidade de se serem encontradas. Tem sido o comportamento reiterado em relação à quase totalidade dos réus.

Em um dos muitos exemplos que fundamentaram a definição de pena, foi José Dirceu quem "negociou com os bancos os empréstimos". Se assim foi, é preciso reconsiderar a peça de acusação e dispensar Marcos Valério de boa parte dos 40 anos a que está condenado. A alternativa é impossível: seria apresentar alguma comprovação de que os empréstimos bancários tiveram outro negociador -o que não existiu segundo a própria denúncia.

Outro exemplo: a repetida acusação de que José Dirceu pôs "em risco o regime democrático". O regime não sofreu risco algum, em tempo algum desde que o então presidente José Sarney conseguiu neutralizar os saudosos infiltrados no Ministério da Defesa, no Gabinete Militar e no SNI do seu governo. A atribuição de tanto poder a José Dirceu seria até risível, pelo descontrole da deformação, não servisse para encaminhar os votos dos seguidores de Joaquim Barbosa.

Mais um exemplo, só como atestado do método geral. Sobre Simone Vasconcelos foi onerada com a acusação de que "atuou intensamente", fórmula, aliás, repetida de réu em réu. Era uma funcionária da agência de Marcos Valério, por ele mandada levar pacotes com dinheiro a vários dos também processados. Não há prova de que soubesse o motivo real das entregas, mesmo admitindo desde a CPI, com seus depoimentos de sinceridade incomum no caso, suspeitar de motivo imoral. Passou de portadora eventual a membro de quadrilha e condenada nessa condição.

Ignoro se alguém imaginou absolvições de acusados de mensalão. Não faltam otimistas, nem mal informados. Mas até entre os mais entusiastas de condenações crescem o reconhecimento crítico do descritério dominante, na decisão das condenações, e o mal-estar com o destempero do relator Joaquim Barbosa. Nada disso "tonifica" o Supremo, como disse ontem seu presidente Ayres Britto. Decepciona e deprecia-o -o que é péssimo para dentro e para fora do país.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Venício Lima: O Mundo Mudou, a SIP Não

Nada de novo na SIP

Para a SIP hoje, “independente” é o código para um liberalismo arcaico que luta sem tréguas contra qualquer forma de interferência do Estado para garantir direitos da cidadania; contra qualquer forma de regulação democrática, mesmo aquela que existe há décadas nas democracias liberais mais avançadas do planeta; contra tudo que possa pôr em risco os imensos privilégios dos oligopólios privados de mídia na América Latina.
Venício A. de Lima, Teoria e Debate


Fundada em Cuba, ao tempo de Fulgêncio Batista (1943), com sede em Miami, EUA, a SIP reúne os donos dos principais jornais privados das Américas e é fruto do ambiente de disputa ideológica da guerra fria, pós-Segunda Guerra.


Entre as posições que tem defendido, a SIP se opõe obstinadamente à revolução cubana, foi contra o sandinismo na Nicarágua, apoiou o golpe contra Salvador Allende no Chile, foi contra o debate sobre a Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic), na Unesco, na década de 1980. Mais recentemente, tem sido crítica implacável dos governos latino-americanos que propõem a regulação democrática do mercado das empresas de comunicação.
Ao longo das últimas décadas, por óbvio, o mundo mudou. A América Latina mudou. Em particular, o mundo das comunicações mudou. A revolução digital e a convergência tecnológica refundaram os conceitos e a prática da produção e da distribuição de notícias. A mídia impressa passa por transformações profundas e até mesmo a sobrevivência dos jornais – no formato atual – tem sido questionada.
Mas a SIP não mudou. Suas bandeiras e sua linguagem não mudaram. A cada ano, a cada assembleia, reafirma seu repúdio aos avanços que a maioria da população latino-americana vem conquistando, democraticamente, nas últimas décadas. Seu ideário continua o mesmo dos velhos tempos da guerra fria e das ditaduras militares e/ou civis que ajudou a instalar e com as quais colaborou em todo o continente.
Nas conclusões da assembleia realizada no Brasil está escrito:A violência contra a integridade física dos jornalistas e a crescente intolerância dos governos autoritários são os principais problemas que a imprensa independente no continente enfrenta hoje. [...] E uma feroz ofensiva liderada pelos presidentes da Argentina, Equador e Venezuela tenta silenciar o jornalismo independente nos seus países mediante leis para regular o exercício do jornalismo, discriminação na concessão da publicidade oficial e imensos aparatos midiáticos estatais e privados utilizados para difamar e para promover campanhas sujas. [...] No Brasil, a justiça continua emitindo decisões contra a mídia para impedir a circulação de informações (ver aqui).
Para a SIP, seus membros e seus aliados, “imprensa independente” e “jornalismo independente” são equacionados com a cobertura política que a grande mídia fez e continua a fazer na América Latina, incluído o Brasil.

“Independente” é considerar 
liberdade da imprensa como liberdade de expressão e excluir milhões de vozes que permanecem secularmente impedidas de participar do debate público. Na ressignificação da SIP, “independente” identifica, de fato, imprensa e jornalismo opinativos e partidarizados, defensores de uma democracia elitizada e excludente em pleno século 21.

Acima de tudo, para a SIP hoje, “independente” é o código para um liberalismo arcaico que luta sem tréguas contra qualquer forma de interferência do Estado para garantir direitos da cidadania; contra qualquer forma de regulação democrática, mesmo aquela que existe há décadas nas democracias liberais mais avançadas do planeta; contra tudo que possa pôr em risco os imensos privilégios dos oligopólios privados de mídia na América Latina.

A SIP continua no tempo da guerra fria. Não mudou. Nem mudará.


Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012/2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentando) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Sistema Midiático Ameaça a Democracia


A mídia contra a democracia
Não haverá democracia sem a reforma democratizante do sistema midiático, desconcentrando-se sua propriedade, revendo-se o processo de concessão e renovação, permitindo-se, por meios político-institucionais, que vozes distintas e plurais tenham acesso à comunicação e à informação, entre inúmeras outras bandeiras levantadas, por exemplo, pelos movimentos sociais em prol da democratização da comunicação, tais como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
por Francisco FonsecaLe Monde Diplomatique

Os ventos neoliberais e conservadores e o papel da mídia

Refletir sobre o conjunto dos meios de comunicação – a “mídia” – implica mobilizar teorias, conceitos e a história com vistas a caracterizá-los e a compreender seu papel na sociedade capitalista, particularmente no Brasil.

Observando os fenômenos que se desenvolvem desde a década de 1980, percebe-se uma notável guinada conservadora (em termos econômicos, políticos, sociais e ideológicos) em diferentes sociedades, que assim se expressam: desmonte, embora parcial em razão das resistências sociais, do Estado de bem-estar social; revalorização ideológica da “meritocracia”, sintetizada pela ideia mítica do self made man, desconsiderando-se as estruturas sociais; efetivação de um conjunto de “reformas orientadas para o mercado”, sintetizadas pela ideologia neoliberal, tais como a reformagerencialdo Estado (no que tange a seu núcleo ideológico privado) e os amplos processos de abertura dos mercados nacionais, de privatização e de desnacionalização; ênfase em políticas sociais terceirizadas(à iniciativa privada) e focalizadasem oposição à universalização de direitos; desconfiança quanto à participação popular na tomada de decisões públicas; aproximação da política aos valores religiosos (em alguns casos, em acordo com as tradições da “democracia cristã”), com implicações no papel da família na constituição de políticas públicas; papel crucial, vinculado aos interesses do G7, desempenhado pelas chamadas “agências multilaterais”, tais como o FMI, o BID e o Bird na aplicação concreta dessas políticas nos “países periféricos”;1 fusão e concentração de empresas dos mais distintos setores, o que inclui a própria mídia, criando-se poderosos oligopólios empresariais; extrema liberalização dos mercados financeiros, cujas consequências são sentidas até hoje; entre diversos outros aspectos. Esses são elementos gerais da agenda neoliberal/conservadora que, contudo, foi adotada de formas distintas em cada sociedade específica.

Nenhuma dessas mudanças pode ser compreendida sem o atuante papel da mídia nas mais diversas sociedades. No caso brasileiro, foco deste artigo, um verdadeiro “consenso forjado” foi paulatinamente se formando entre os órgãos da mídia desde a chamada “Nova República” (1985), influenciando decisivamente a reversão do modelo econômico brasileiro instalado – embora com transformações – desde os anos 1930.2

A “era neoliberal e conservadora”, como foram considerados os acontecimentos entre a década de 1980 até o crash de 2008, sem que, mesmo nos dias atuais, tenha sido inteiramente superada, teve e tem nos órgãos da mídia o papel primordial como “aparelho privado de hegemonia”: conceito criado por Antonio Gramsci que sintetiza a atuação desses órgãos como agentes político-ideológicos voltados à organização dos interesses de determinadas classes e segmentos sociais, assim como à formação e vetos das agendas dos governos.

Deve-se notar que, além da referida atuação como aparelho de hegemonia, estruturalmente a mídia privada opera numa zona cinzenta entre os interesses privatistas (dela própria como empresa capitalista que objetiva o lucro) privados (de grupos sociais e econômicos representados pelos meios de comunicação) e a esfera pública.3 

A defesa de interesses privados – notadamente o das classes médias e do capital – no âmbito da esfera pública, lócus em que diversos interesses se contrapõem e onde a ideologia do “bem comum” e do “interesse geral” procuram se colocar ideologicamente acima dos diversos interesses específicos, marca a atuação da mídia. Em outras palavras, são agentes privados que procuram representar o “todo”, o “público”, ocultando seus verdadeiros interesses. Logo, transitam num ambiente nebuloso, porque, além do mais, procuram se legitimar de modo permanente em nome da ideologia da “opinião pública”, conceito fugidio, maleável e marcado fundamentalmente pela opinião de determinados grupos capazes de expressar opiniões específicas, por meio da própria mídia, adquirindo dessa forma o status de “verdade”, pois potencialmente capaz de se tornar dominante. Essa imanente confusão entre as esferas privada e pública define a atuação da mídia, sobretudo no Brasil.

Emergência histórica de direitos versus o modus operandi da mídia no Brasil

Historicamente, a mídia privada nasce e se desenvolve como decorrência da sociedade capitalista, representando os novos segmentos dominantes. Contudo, desde a Revolução Francesa a preocupação com o direito à informação – num contexto do reconhecimento de direitos em sociedades desiguais – constitui fator crucial ao próprio conceito do “Estado de direito democrático”. No artigo 11º da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” da Revolução Francesa, assim é tratado o tema da comunicação: “A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem: todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, embora deva responder pelo abuso dessa liberdade nos casos determinados pela lei”. Já no século XX, após a Segunda Guerra Mundial, a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, em seu artigo 19º, assim define o direito à comunicação: “Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.4 

Embora ambas expressem momentos históricos específicos e novas correlações de força (predominância do capitalismo e da filosofia política liberal), as declarações representam ainda hoje marcos no pensamento político, jurídico e filosófico ocidental e são tomadas como balizas para a democratização das sociedades no que tange ao direito à expressão de ideias, à informação e à comunicação. Em outras palavras, exprimem a lógica da “democracia liberal” em termos políticos.

Essa tradição “liberal-democrática” tem sido, no Brasil, reiteradamente contrastada, uma vez que o sistema midiático organizado pela ditadura militar instaurada em 1964 não foi essencialmente transformado. Cerca de onze famílias controlam, mesmo depois da redemocratização, um número incrivelmente grande de meios e modalidades (legais e “cruzadas”) de comunicação, acarretando um conjunto de poderes que se opõe aos pressupostos teórico-filosóficos tanto da democracia quanto do próprio “liberalismo democrático”.

Vejamos algumas dessas consequências concretas no Brasil: 

a) o sistema de concessão e renovação das concessões de rádios e TVs é controlado politicamente pelo Congresso Nacional, e parcelas dos parlamentares são também proprietárias desses meios, processo que implica simultaneamente brutal intransparência decisória, promiscuidade política entre detentores de meios de comunicação e do poder político e descumprimento de normas constitucionais que regulam a comunicação;5

b) majoritariamente, a mídia brasileira é privada e comercial, isto é, há ainda poucos meios estatais, e os comunitários foram apropriados fartamente por igrejas que se confundem com empreendimentos empresariais, impondo às diversas faces do país (estético-cultural, racial, regional e política etc.) a não representação de seus universos simbólicos na mídia. Quem se informa apenas pelos grandes veículos de comunicação privados (jornais, revistas, rádios, TVs e mesmo os grandes portais da internet vinculados a esses meios) tem visão parcial e relativamente homogênea do país, em contraste à sua enorme diversidade; e 

c) seletividade de suas coberturas, isto é, por razões políticas conjunturais (o que inclui apoios e vetos partidários e eleitorais), ideológicas ou relacionadas a interesses que defendem, questões e problemas ou não retratados ou retratados com ênfases completamente distintasExemplos marcantes referem-se à omissão das coberturas das mazelas do processo de privatização durante os governos Collor e FHC, assim como dos escândalos “não investigados” pela mídia em relação a este último: casos da “emenda da reeleição”, do “Banestado”, entre tantos outros, em contraste à sanha investigativa nos governos Lula. No caso deste, o chamado escândalo do “mensalão” é retratado como inédito na vida política brasileira (forma e conteúdo) e, mais ainda, como o “mais sórdido” já produzido “por um partido político”. É curioso como toda a lógica privatizante, no sentido de predominância de interesses privados, do sistema político brasileiro (casos do financiamento privado, notadamente extralegal de campanhas, do multipartidarismo extremamente flexível que leva à necessidade de coligações para vencer e governar, com toda sorte de barganhas, e da facilidade em criar e fundir partidos, entre outros aspectos) é desconsiderada em nome da acusação de um agrupamento político. A seletividade é, portanto, política, ideológica e editorial, e marca decisivamente o modus operandi da mídia brasileira desde os anos 1940. Deve-se observar, dessa forma, o contraste entre a cantilena – professada pelos meios de comunicação, pelos “liberais” e pelos crentes da “sociedade civil” liberal – de que a mídia pratica um “jornalismo investigativo”, por sua vez crucial e pressuposto à democracia.6

Embora na democracia deva haver liberdade de fiscalizar e mesmo de investigar algo ou alguém por qualquer pessoa ou instituição, sua legalidade e legitimidade estão sujeitas essencialmente à contestação, à revisão e à aceitação ou não do poder público como “provas válidas”. Por isso, aceitar a mídia como agente de investigação, sem mediações conceituais e proteção aos envolvidos, como o direito de resposta, por exemplo, implica conceber um poder paralelo ao Estado, portanto contrário ao caráter monopolista deste; poder esse que, reitere-se, é constituído por e dirigido a interesses privados e voltados à conservação do statu quo. Apesar dessas características, a ideologia da “neutralidade”, da “independência”, do “apartidarismo” (lato e estrito) e da busca pelo “bem comum” faz parte da retórica “pública” desses agentes político-ideológicos privados, que erigem estratégias retóricas como “opinião pública”, “liberdade de expressão”, “defesa da sociedade”, “sentimento nacional”, entre tantos outros, para se legitimar.

A democratização do sistema midiático como pressuposto à democracia no Brasil7

O conjunto dos aspectos analisados neste artigo leva à conclusão de que não haverá democracia sem a reforma democratizante do sistema midiático, desconcentrando-se sua propriedade, revendo-se o processo de concessão e renovação, permitindo-se, por meios político-institucionais, que vozes distintas e plurais tenham acesso à comunicação e à informação, entre inúmeras outras bandeiras levantadas, por exemplo, pelos movimentos sociais em prol da democratização da comunicação, tais como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC – www.fndc.org.br).8

Deve-se ressaltar que a democracia é concebida como um sistema político garantidor de direitos individuais e coletivos amplos e diversos, entre os quais os vinculados à manifestação de interesses e de opiniões, o que implica a possibilidade de pessoas e grupos se comunicarem e se informarem por meios distintos, garantindo a pluralidade de pontos de vista de uma dada sociedade.

O conservadorismo político (pressão pela diminuição dos direitos sociais e da participação popular nas decisões públicas),  econômico-financeiro (a adesão maciça à agenda neoliberal “orientada para o mercado”), simbólico-comportamental (ênfase na meritocracia individualem detrimento de direitos coletivos), entre outras formas de manifestação da agenda conservadora mundial e brasileira, teve e tem na mídia um ator político-ideológico que vem atuando de forma uníssona em favor do retrocesso político e social.

O sistema midiático brasileiro, constituído por órgãos privados, comerciais, partidários (em sentido lato e/ou estrito), sem freios e contrapesos, elitizadose oligopolizadostem contribuído fortemente para o retardo da democracia brasileira, que, quando comparada a outras sociedades, tem muito a se desenvolver.9 A experiência histórica permite afirmar que tais órgãos atuam conservadoramente contra a democracia!

* Francisco Fonseca é mestre em Ciência Política e doutor em História, professor de Ciência Política na FGV-SP e autor de diversos artigos e livros, entre os quais O consenso forjado – A grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil (2005) e Liberalismo autoritário – Discurso liberal e práxis autoritária na imprensa brasileira (2011), ambos pela Editora Hucitec.



1 O caso da privatização da água – inclusive da chuva – na Bolívia, por pressão dos bancos multilaterais, o que gerou a famosa “revolta das águas de Cochabamba”, é sintomático. Verwww.youtube.com/watch?v=aTKn17uZRAE.


2 Analisei a construção desse “consenso” e o intitulei como “forjado”, uma vez que se tornou hegemônico, no livro O consenso forjado – A grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil, Hucitec, São Paulo, 2005.

3 Esfera pública é uma terminologia polissêmica e controvertida, tendo em vista os pressupostos adotados por matrizes teóricas distintas. O marxismo nega esse conceito.

4 O artigo 19 dessa declaração inspirou a criação da ONG Article 19: http://www.article19.org/, também presente no Brasil: artigo19.org.

5 Particularmente o descumprimento e/ou não regulamentação dos artigos 220 (proibição de monopólios), 221 (exigências para programação) e 223 (complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal) da Constituição Federal. Esse quadro levou recentemente à constituição de blogs e fóruns digitais alternativos que se contrapõem aos órgãos da grande mídia, que é chamada, criativa e sintomaticamente por esses blogs, de “PIG”: Partido da Imprensa Golpista. Já na Argentina foi aprovada há pouco tempo a importante Ley de Medios, que democratiza o sistema midiático: www.argentina.ar/_es/pais/nueva-ley-de-medios/C2396-nueva-ley-de-medios-punto-por-punto.php.

6 Deve-se ressaltar, além do mais, que o papel de investigar é prerrogativa do Estado, cujas funções são conferidas pela Constituição à luz do conceito maior do Estado de direito democrático, por meio de instituições oficiais e impessoais, tais como, no plano federal, o Ministério Público (no âmbito criminal e de direitos difusos), a Corregedoria Geral da União (quanto à fiscalização de verbas e contratos federais), a Polícia Federal (no tocante a crimes federais, de naturezas diversas) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), relacionado à fiscalização de movimentações financeiras. A lógica do Estado democrático, baseada nos controles internos e externos, que constam do direito constitucional e administrativo, e, mais modernamente, no chamado “controle social” (da sociedade politicamente organizada perante o Estado e mesmo perante entidades privadas, como a mídia), são os instrumentos de investigação e fiscalização nos quais cada sociedade deve se fiar.

7 O mundo digital (possibilidades abertas pela internet e pelas redes sociais) não é, até o momento, significativamente distinto dos meios tradicionais aqui analisados, pois, sobretudo no Brasil, os portais são dominados pelas mesmas empresas de comunicação tradicionais; o acesso ao mundo digital é reduzido, comparativamente à população, e localizado nas classes médias; além de a utilização, pela maior parte dos usuários, concentrar-se em fins interpessoais e de entretenimento.

8 Ver também outros movimentos que lutam pela democratização da mídia:http://www.comunicacaodemocratica.org.br/http://www.paraexpressaraliberdade.org.br/,http://www.direitoacomunicacao.org.br/http://www.intervozes.org.br/,http://www.cartamaior.com.br/ e http://www.tver.org.br/. A agenda da comunicação democrática é ampla e inclui acesso digital (equipamentos, combate ao analfabetismo digital, gratuidade da banda larga etc.), entre inúmeras outras bandeiras: todas fundamentais, sobretudo aos mais pobres e excluídos na sociedade brasileira.

9 Elaborei reflexões teóricas e empíricas acerca de uma agenda de reforma da mídia no Brasil, comparativamente a outros países: “Mídia e poder: interesses privados na esfera pública e alternativas para sua democratização”. In: Fábio de Sá e Silva et al. (orgs.), Estado, instituições e democracia: democracia, Brasília, Ipea, 2010, Livro 9, v.2. Disponível em:www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/2010/Livro_estadoinstituicoes_vol2.pdf.

Liberdade Para Poucos: Danilo Gentilli Censura Vídeo Denunciando Racismo!

Danilo Gentilli Manda Tirar Vídeo Que o Denunciava de Racismo do Youtube

PSTU, via Mariafro


E somos nós que somos acusados de censores…. ãha, senta lá, Cláudia.
Link da matéria sugerido pela Marina Miyazaki
Danilo Gentilli manda tirar vídeo do PSTU do Youtube
Do site do PSTU
Vídeo denunciava racismo de apresentador, que perguntou “quantas bananas você quer pra deixar essa história pra lá” a ativista do movimento negro

Vídeo foi retirado a mando de Gentili, segundo Youtube
Um vídeo que denunciava as piadas racistas do “comediante” Danilo Gentilli, postado no Youtube peloPortal do PSTU, foi retirado do ar nesta quinta-feira.
Segundo a notificação do Youtube, o vídeo foi retirado devido a reivindicações de direitos autorais de Gentilli. “Recebemos reivindicações de direitos autorais sobre o material que você enviou, como segue: o de Danilo Gentili sobre o vídeo “Quantas bananas vc quer pra deixar essa história pra lá?”, afirma o comunicado do Youtube.
Quantas bananas você quer?
O vídeo publicado pelo Portal do PSTU trazia uma entrevista com Thiago Ribeiro, jovem negro de 29 anos que, recentemente, denunciou Gentilli por suas piadas de explícito conteúdo racista. Cansado das piadas sem graça do “comediante”, Thiago Ribeiro postou no Youtube um vídeo com uma coletânea de piadas racistas de Gentili. O vídeo obteve 800 visualizações, inclusive uma visualização do próprio Gentili, que conseguiu tirar o vídeo do Youtube por meio da cláusula de uso de imagem.
Através do seu perfil no Twitter, Thiago interpelou Gentili sobre a proibição do vídeo. A resposta de Gentilli foi pra lá de desprezível: “vamos esquecer isso… Quantas bananas você quer pra deixar essa história pra lá?”, escreveu o comediante em seu Twitter. Na sequência, muitos seguidores de Gentilli desataram ataques racistas contra Thiago. Todos eles, inclusive Gentilli, foram denunciados por crime de racismo ao Ministério Público de São Paulo e à Polícia Federal sobre o ocorrido. Também foi realizado um Boletim de Ocorrência na Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania e na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância.
Gentilli se utilizou do mesmo expediente para retirar, do youtube, a entrevista de Thiago ao Portal do PSTU. Em três dias de exibição, a entrevista já tinha sido visualizada por mais 4.100 usuários.
Como se não bastasse, para defender suas piadas racistas, Gentilli se apóia no direito à “liberdade de expressão”. O que só pode ser uma piada de mau gosto do “comediante” que não tem o menor escrúpulo em censurar qualquer crítica a algo que mais do que uma simples piada: é crime, tipificado em lei.
Se você ainda não viu o vídeo, assista aqui sua nova versão. Agora, com a censura imposta por Gentilli.

Paulo Moreira Leite: Valério e o Clima de Vale-Tudo Contra Lula

Quem Não Tem Voto Caça com Valério

O  PT cresceu no número de prefeituras, no número de votos em escala nacional, e também levou o troféu principal da campanha, a prefeitura de São Paulo.  Mesmo com a vitória em Salvador, os partidos conservadores, à direita do PSDB, tiveram a metade do eleitorado reunido em 2008. Isso aí: perderam 50% dos votos.É neste ambiente que Valério passa ter importância. Quem não tem voto caça com Valério.

Paulo Moreira Leite, Revista Época, Coluna Vamos Combinar

O alvoroço provocado pela notícia de que Marcos Valério pode ter informações comprometedoras contra Lula, Antônio Palocci e até sobre o caso Celso Daniel chega a ser vergonhoso.


Desde a denuncia de Roberto Jefferson que Valério tem demonstrado grande disposição para colaborar com a polícia.

Foi ele quem entregou a relação de 32 beneficiários das verbas do mensalão, inclusive Duda Mendonça.

Conforme os advogados de um dos réus principais, ao longo do processo Valério fez quatro tentativas de oferecer novas delações em troca de uma redução de sua pena.  As quatro foram rejeitadas.

O estranho,  agora, não é a iniciativa de Valério, mais do que compreensível para quem se encontra numa situação como a sua. Não estou falando apenas dos 40 anos de prisão.

As condenações de José Dirceu  e José Genoíno se baseiam em “não é possível que não soubessem”, “não é plausível”, “um desvio na caminhada” e assim por diante.

Eu acho legítimo pensar que deveriam ser questionadas em novo julgamento,  o que certamente poderia ser feito se tivessem direito a uma segunda instância, como vai ocorrer com os réus do mensalão PSDB-MG que foram desmembrados nestes “dois pesos, dois mensalões,” na antológica definição de Jânio de Freitas.

Parece muito difícil questionar o mérito das acusações contra Valério.  Ele participava de um esquema para levantar recursos de campanha. Mas seu interesse era comercial, digamos assim. Pretendia levantar R$ 1 bilhão até o fim do governo, disse Silvio Pereira, secretário geral do PT, em entrevista a Soraya Agege, do Globo, em 2006.

Era o titular do esquema, o dono das agências de publicidade, aquele que recolhia e despachava o dinheiro, inclusive com carros forte e conta em paraíso fiscal.

O estranho, agora, não é o comportamento de Valério. São os outros.

É a torcida, o ambiente de vale-tudo.

Ele teve sete anos para apresentar qualquer informação relevante. A menos que tenha adquirido o costume de criar dificuldades para comprar facilidades até com a própria liberdade, o que não é bem o costume dos operadores financeiros, seu silêncio sugere a falta de fatos importantes para revelar. Ele enfrentou em silêncio a denúncia  do primeiro procurador, Antônio Carlos Fernando de Souza, em 2006.  Assistiu do mesmo modo à aceitação da denúncia pelo Supremo, em 2007. Deu não se sabe quantos depoimentos a Justiça e a Polícia.  Seu advogado, Marcelo Leonardo, um dos mais competentes do julgamento, escreveu não sei quantas alegações finais no STF.

Nem mesmo quando , preso por outras razões, tomava porrada de colegas de presídio numa cadeia,  lembrou que podia contar algo para se proteger?

A verdade é que os adversários de Lula não conseguem esconder a vontade de que Valério  tenha grandes revelações a fazer.  Deveriam estar acima de tudo desconfiados e cautelosos, já que as circunstâncias não garantem a menor credibilidade a qualquer denuncia feita DEPOIS que  um réu enfrenta uma condenação de 40 anos e não se vislumbra nenhum atenuante para amenizar a situação.

É preocupante porque  nós sabemos que é possível transformar versões falsas  em fatos verdadeiros.

Basta que os melhores escrúpulos sejam deixados de lado, as versões anunciadas sejam convenientes e atendam aos interesses de várias partes envolvidas.  O país tem uma longa experiência com essa turma. Ela denunciou um grampo telefônico que não houve. Falou de uma conta em paraíso fiscal – do próprio Lula e outros ministros – que eles próprios sabiam que era falsa. Também denunciou uma  caixa de dólares enviados do exterior para a campanha de 2002 que ninguém foi capaz de abrir para dizer o que tinha lá dentro.

Na prática, os adversários de Lula querem que Valério entregue aquilo que o eleitor não entregou.

O próprio Valério sabe disso. De seu ponto de vista, qualquer coisa será melhor do que enfrentar uma pena de 40 anos, concorda? Qualquer coisa.

Do ponto de vista dos adversários de Lula, também. Qualquer coisa é melhor do que uma longa perspectiva de derrotas, não é mesmo?  Talvez não por 40 anos mas quem sabe mais quatro?

É por isso que os interesses das partes, agora, coincidem.  O mocinho da oposição tornou-se Valério.

No mundo do “não é possível”, do “é plausível”, do “não pode ser provado mas não poderia ser de outra forma ” as coisas ficam fáceis para quem acusa.  A moda ideológica, agora, é acusar de bonzinho quem acha que a obrigação da prova cabe a quem acusa.

E eu, que pensei que a presunção da inocência era um direito constitucional e fazia parte das garantias fundamentais. Mas não. Isso é ser bonzinho, é se fazer de ingênuo.

No novo figurino, as  coisas parecem verdadeiras porque não podem ser provadas. É a inversão da inversão da inversão.  O movimento estudantil tem uma corrente que se chama negação da negação.  Estamos dando uma radicalizada…

A experiência ensina que há um  meio infalível de levantar uma credibilidade em  baixa. É a ameaça de morte, o que explica a lembrança do caso Celso Daniel.

Os advogados dizem que Valério sofreu ameaças de morte. Já se fala nos cuidados  com a segurança pessoal e da família. Também li que a Polícia Federal “ainda “ não decidiu protegê-lo.

Algumas palavras tem importância especial em determinados momentos.  A morte de Celso Daniel foi acompanhada por várias suspeitas de crime político mas, no fim de três meses de investigação, a Polícia Civil de São Paulo concluiu que fora crime comum.

Um delegado da Polícia Federal, que seguiu o caso e até participou das investigações a pedido de Fernando Henrique Cardoso, chegou a mesma conclusão. O caso parecia encerrado. Os suspeitos estavam presos, confessaram tudo e aguardavam julgamento. Quem fala em aparelho petista deve lembrar que a investigação tinha o respaldo do comando da polícia do governo Alckmin e da PF no tempo de FHC.

O caso saiu dos arquivos quando um irmão de Celso Daniel alegou que sofria ameaça de morte. Fiz várias entrevistas com familiares e policiais e posso afirmar que nunca ouvi um fato consistente. Nem um grito ameaçador ao telefone. Nem um palavrão no trânsito. Nem um empurrão no bandejão da faculdade.

Nunca. Respeito aquelas pessoas, fomos colegas de luta no movimento estudantil mas aquilo me pareceu uma história sem consistência. Eu ia fazer uma matéria sobre essa denuncia mas aquilo não dava uma linha. Não havia sequer um fato para ser narrado. Nem um boato para  ser desmentido. Nada. Fiquei impressionado porque eu havia entrado na história achando que havia alguma coisa, seja lá o que fosse.  Nada. Mas a família conseguiu o direito até de viver exilada na França. O caso foi reaberto e, embora uma segunda investigação policial tenha chegado a mesma conclusão, o suspeito de ser o mandante aguarda o momento de ir a julgamento.

Nos últimos meses, com o julgamento no mensalão, os adversários de Lula pensavam  que seria possível reverter o ambiente político favorável a Lula, no país inteiro. É este ambiente que coloca a reeleição de Dilma no horizonte de 2014, embora muita enxurrada possa passar por debaixo da ponte. Mas, no momento, essa perspectiva, para a oposição, é insuportável e dolorosa – até porque ela não foi capaz de reavaliar suas sucessivas  derrotas do ponto de vista político, não fez um balanço honesto dos acertos do governo Lula, o que dificulta aceitar que o país tem um presidente popular como nenhum outro antes dele, a tal ponto que até postes derrotam  medalhões vistos como imbatíveis. No seu apogeu, a ideia de renovação sugerida por FHC foi descartada como proposta petista por José Serra. Assim fica difícil, né.

(Vamos homenagear os postes. Essa expressão foi cunhada por uma das principais vozes da luta pela democratização, Ulysses Guimarães, para quem “poste” era o candidato capaz de representar os interesses do povo  e da democracia, mesmo que fosse um ilustre desconhecido. Certa vez, falando sobre a vitória estrondosa do MDB em 1974, quando elegeu 17 de 26 senadores, Ulysses falou que naquela eleição o partido elegeria “até um poste.” Postes, assim, são candidatos que entendem o vento da sua época.)

Semanas antes da eleição do poste Fernando Haddad,  o procurador geral Roberto Gurgel chegou a dizer que ficaria muito feliz se o julgamento influenciasse a decisão do eleitor. Muita gente achou natural um procurador falar assim.

Eu não fiquei surpreso porque sempre achei a denuncia politizada demais, cheia de pressupostos e convicções anteriores aos fatos. Eu acho que a denuncia confunde aliança política com compra de votos e verba de campanha com suborno, o que a leva a querer criminalizar todo mundo que vê pela frente – embora, claro, tenha sido  seletiva ao separar o mensalão PSDB-MG, como nós sabemos e nunca será demais lembrar. Mas não achei o pronunciamento do procurador natural. Em todo caso, considerando a liberdade de expressão…

Mas a fantasia oposicionista era tanta que teve gente até que se despediu de Lula, lembra?
Embora o julgamento tenha caminhado na base do “não é plausível”, “não poderia ter sido de outro jeito ”e outras considerações pouco conclusivas e nada robustas, faltou combinar com o eleitor.

Em campanha própria, com chapa pura, os  adversários de Lula tiveram uma grande vitória em Manaus. Viraram a eleição em Belém onde o PSOL não quis apoio de Lula.  Ganharam em Belo Horizonte em parceria com Eduardo Campos, que até segundo aviso é da base de Lula e Dilma.

O  PT cresceu no número de prefeituras, no número de votos em escala nacional, e também levou o troféu principal da campanha, a prefeitura de São Paulo.  Mesmo com a vitória em Salvador, os partidos conservadores, à direita do PSDB, tiveram a metade do eleitorado reunido em 2008. Isso aí: perderam 50% dos votos.

É neste ambiente que Valério passa ter importância. Quem não tem voto caça com Valério.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Cynara Menezes: O Bom Filho de Papai à Casa Torna

A volta do filho (de papai) pródigo ou a parábola do roqueiro burguêsCynara Menezes, no Socialista Morena

"Papai, eu sou reaça."

Nem todo direitista é derrotista, mas todo derrotista é direitista. Reparem no capricho do léxico: as duas palavras são quase idênticas. Ambas têm dez letras, soam similares e até rimam. Se você tem dúvida se alguém é de direita observe essas características. Começou a falar mal do Brasil e dos brasileiros, a demonstrar desprezo por tudo daqui, a comparar de forma depreciativa com outros países, é batata. Derrotista/direitista detectado. Temos hoje no Brasil duas personalidades célebres pelo derrotismo explícito e pelo direitismo não assumido: os roqueiros Lobão e Roger Moreira, do Ultraje a Rigor. Eu ia citar também Leo Jaime, outro direitoso do rock nacional, mas não posso classificá-lo como um derrotista típico –fora isso, no entanto, cabe perfeitamente no figurino que descreverei aqui. Os três são cinquentões: Lobão tem 57, Roger, 56 e Leo, 52. Da geração dos 80, Lobão sempre foi meu favorito. Eu simplesmente amo suas canções. Para mim, Rádio BláVida BandidaVida Louca Vida e Decadence Avec Elegance são clássicos. Além de Corações Psicodélicos, em parceria com Bernardo Vilhena e Julio Barroso, ai, ai… Adoro. E não é porque Lobão se transformou em um reacionário que vou deixar de gostar. Sim, Lobão virou um reaça no último. Alguém que voltasse agora de uma viagem longa ao exterior ia ficar de queixo caído: aquele personagem alucinado, torto, jeitão de poeta romântico, que ficou preso um ano por porte de drogas, se identifica hoje com a direita brasileira mais podre.Não me importa que Lobão critique o PT ou qualquer outro partido. O que me entristece é ele ter se unido ao conservadorismo hidrófobo para perpetrar barbaridades como a frase, dita ano passado, em tom de pilhéria: “Há um excesso de vitimização na cultura brasileira. Essa tendência esquerdista vem da época da ditadura. Hoje, dão indenização a quem seqüestrou embaixadores e crucificam os torturadores, que arrancaram umas unhazinhas”. No twitter (@lobaoeletrico), se diverte esculhambando o país e os brasileiros, sempre nos colocando para baixo. “Antigamente éramos um país pobre e medíocre… terrível. Hoje em dia somos um país rico e medíocre… pior ainda”, escreveu dia desses.Os anos não foram mais generosos com Roger Moreira, do Ultraje. O cara que cantava músicas divertidíssimas como Nós Vamos Invadir Sua Praia ou Inútil virou um coroa amargo que deplora o Brasil e vive reclamando de absolutamente tudo com a desculpa de ser “contra os corruptos”. É um daqueles manés que vivem com a frase “imagine na Copa” na ponta da língua para criticar o transporte público, por exemplo, sem nem saber o que é pegar um ônibus. Os brasileiros, segundo Roger, são um “povo cego, ignorante, impotente e bunda-mole”. Sofre de um complexo de vira-lata que beira o patológico. Ao ver a apresentação bacana dirigida por Daniela Thomas ao final das Olimpíadas de Londres, tuitou, vaticinando o desastre no Rio em 2014: “Começou o vexame”. Não à toa, sua biografia na rede social (@roxmo) é em inglês.Muita gente se pergunta como é que isso aconteceu. O que faz um roqueiro virar reaça? No caso de ambos, a resposta é simples. Tanto Roger quanto Lobão são parte de um fenômeno muito comum: o sujeito burguês que, na juventude, se transforma em rebelde para contrariar a família. Mais tarde, com os primeiros cabelos brancos, começa a brotar também a vontade irresistível, inconsciente ou não, de voltar às origens. Aos poucos, o ex-revoltadex vai se metamorfoseando naqueles que criticava quando jovem artista. “Você culpa seus pais por tudo, isso é um absurdo. São crianças como você, é o que você vai ser quando você crescer” –Renato Russo, outro roqueiro dos 80′s, já sabia.O carioca Lobão, nascido João Luiz Woerdenbag Filho, descendente de holandeses e filhinho mimado da mamãe, estudou a vida toda em colégio de playboy, ele mesmo conta em sua biografia. O paulistano Roger estudou no Liceu Pasteur, na Universidade Mackenzie e nos EUA. Nada mais natural que, à medida que a ira juvenil foi arrefecendo –infelizmente junto com o vigor criativo– o lado burguês, muito mais genuíno, fosse se impondo. Até mesmo por uma estratégia de sobrevivência: se não estivessem causando polêmica com seu direitismo, será que ainda falaríamos de Roger e Lobão? Eu nunca mais ouvi nem sequer uma música nova vinda deles. O Ultraje, inclusive, se rendeu aos imbecis politicamente incorretos e virou a “banda do Jô” do programa de Danilo Gentili.Enfim, incrível seria se Mano Brown ou Emicida, nascidos na periferia de São Paulo, se tornassem, aos 50, uns reaças de marca maior. Pago para ver. Mas Lobão e Roger? Normal. O bom filho de papai à casa torna. A família deles, agora, deve estar orgulhosíssima
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